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Nariz absoluto no homem relativo

Na hierarquia dos sentidos o olfato não ocupa uma posição muito digna. Talvez seja o sentido que tenhamos menos pena de perder. Meu avô Salvador (acho que tinha esse nome pelas inúmera vezes que teve que salvar a si próprio) perdeu o olfato por conta de uma meningite, da qual sobreviveu, naqueles tempos difíceis. Sempre se falou que o dano foi mínimo, "foi só o olfato". Não creio que seja assim. O olfato é o sentido das lembranças. Cada cheiro de passado é uma imagem que se forma. O cheiro da casa da minha avó no interior, do pão feito em casa, do óleo diesel dos caminhões que passavam por nós na estrada, cheiro de filho, de pele quando se sai do banho, de terra molhada... Não posso menosprezar os demais, somos dependentes de todos os sentidos para a percepção do mundo,e particularmente, são eles que me aproximam de uma vida instintiva, adormecida pela intelectualidade pós-moderna. No entanto as particularidades do olfato me encantam. A perda de outros sentidos faz que outros se agucem. O olfato não. Diretamente ligado ao paladar, sua perda causa uma diminuição significativa percepção do gosto das coisas. É o sentido da parceria, não caminha só.

Gosto de cheirar. Não é um hábito muito educado e cultuado. Talvez se eu tivesse vivido nos primórdios da existência humana fosse algo aceitável e necessário. Atualmente com tantos prazos de validades e selos de segurança tornou-se quase que obsoleto. Cheirar o mundo é inspirá-lo. Gosto de cheirar meus textos assim que termino de escrevê-los com caneta esferográfica. É único, porque é volátil. Em minutos o odor se esvai e restam apenas as palavras. Nessa hora tenho a sensação de colocá-las para dentro de novo. Encher os pulmões de inúmeras partículas invisíveis. Inspirar. Também gosto disso, em todos os sentidos que isso tenha. Oxigenar meu corpo de tudo. Inspirar sempre. Inspiro-me.




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